Na última terça-feira, dia 01/06/2021, foi sancionada, pelo Presidente da República, a Lei Complementar nº 182/2021, também chamada de “Marco Legal das Startups e do Empreendedorismo Inovador”. A nova lei, cujo texto final fora aprovado pelo Congresso Nacional no dia 11/05/2021, tem como objetivo fomentar a criação, o registro e o aporte de recursos em empresas de caráter inovador.
A edição de uma regulamentação específica para o investimento em startups é um excelente passo rumo a assegurar uma maior segurança jurídica para as partes atuantes no ecossistema de startups, em especial, os empreendedores e os investidores.
Conceito legal de Startup
O conceito legal de startup foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro pela Lei Complementar nº 167/2019. Segundo referida lei, “considera-se startup a empresa de caráter inovador que visa a aperfeiçoar sistemas, métodos ou modelos de negócio, de produção, de serviços ou de produtos, os quais, quando já existentes, caracterizam startups de natureza incremental, ou, quando relacionados à criação de algo totalmente novo, caracterizam startups de natureza disruptiva”.
O Marco Legal das Startups (LC nº 182/2021), por sua vez, trouxe, como uma das suas mais esperadas disposições, o estabelecimento de critérios objetivos para o enquadramento de empresas como startups, quais sejam:
i. Receita bruta de até R$ 16 milhões no ano-calendário anterior (ou R$ 1.333.334,00 multiplicado pelo número de meses considerados na análise);
ii. Até 10 anos de inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ); e
iii. A declaração, em seu ato constitutivo (contrato social ou estatuto social) ou em ato alterador posterior à constituição, de utilização de modelos de negócios inovadores para a oferta de bens e serviços no Mercado OU estar enquadrada no regime do Inova Simples (vide art. 65-A da Lei Complementar nº 123/2006, Lei do Simples Nacional).
Simplificação de regras aplicáveis às Sociedades Anônimas
Além disso, o Marco trouxe como novidade a simplificação de algumas obrigações aplicáveis às Sociedades Anônimas (S/A). A Diretoria, órgão típico das S/A, agora poderá ser composta por um único membro (antes era necessária a nomeação de ao menos dois diretores). As publicações exigidas pela Lei das S/A (Lei n.º 6.404/1976) poderão ser feitas exclusivamente de forma eletrônica para as companhias fechadas de receita bruta de até R$ 78 milhões. Na omissão do estatuto social, a companhia poderá deliberar livremente sobre a distribuição de dividendos em assembleia geral, desde que não haja prejuízo aos acionistas preferenciais.
A intenção fora a de facilitar a constituição de startups sob o regime das Sociedades Anônimas, que, de acordo com a lógica do legislador, é o tipo societário mais adequado para a captação de investimentos. Não obstante, não tendo o Marco Legal regulado o enquadramento de Sociedades Anônimas no regime de tributação do Simples Nacional, a tendência é que startups continuem optando pela constituição sob a forma de Sociedades Limitadas (Art. 1.052, Código Civil) de modo a cumprirem os requisitos para enquadramento em regime de tributação simplificado e menos oneroso.
Sandbox Regulatório para as Startups
Ademais, o Marco trouxe novidades importantes no que concerne às parcerias entre as Startups e a Administração Pública. Uma dessas novidades é a possibilidade de criação de “sandboxes regulatórios”, que são, de acordo com a legislação, “[um] conjunto de condições especiais simplificadas para que as pessoas jurídicas participantes possam receber autorização temporária dos órgãos ou das entidades com competência de regulamentação setorial para desenvolver modelos de negócios inovadores e testar técnicas e tecnologias experimentais, mediante o cumprimento de critérios e de limites previamente estabelecidos pelo órgão ou entidade reguladora e por meio de procedimento facilitado”. Desse modo, agências reguladoras, como a ANATEL, a ANEEL e ANVISA, poderão suspender a eficácia de algumas de suas normas regulatórias em relação às startups, por tempo determinado, a fim de criar um ambiente propício para a experimentação empreendida por essas empresas.
Participação em licitações
Outra forma de incentivo à interação das startups com a Administração Pública trazida pela Lei Complementar nº 182/2021 é a possibilidade de as startups participarem de processos licitatórios para a contratação de soluções inovadoras pelo Poder Público. Nessa nova modalidade, a Administração não precisará especificar a solução que procura que, mas apenas os problemas que deseja solucionar e as metas que pretende atingir. Com a homologação do resultado da licitação, a Administração poderá firmar contrato para o desenvolvimento da solução vencedora e, depois, contrato de fornecimento da mesma solução por até 2 anos, prorrogável por mais 2 anos. Assim, busca-se de um lado estimular a atuação estatal no fomento à inovação e, de outro, permitir a que o Estado desfrute da inovação produzida na iniciativa privada.
Vetos Presidenciais
Foi vetado o dispositivo que criava uma hipótese de renúncia fiscal para o investidor pessoa física ao prever que esse poderia compensar o prejuízo acumulado na fase inicial da startup com os lucros apurados em eventual venda das ações ou quotas sociais, de forma que o imposto de renda sobre o ganho de capital incidiria apenas sobre os lucros líquidos do investidor (ganhos subtraídos das perdas), e não apenas sobre os ganhos. A percepção que levou ao veto é a de que essa decisão contraria a Lei de Responsabilidade Fiscal ao prever benefícios de natureza tributária sem a apresentação de estimativa de impacto orçamentário.
Além disso, foi vetado também o dispositivo que permitiria que a CVM dispensasse a aplicação de algumas regras de apuração do preço justo em ofertas públicas de aquisição de ações (OPA). Essa operação ocorre quando um proponente manifesta o interesse em adquirir um bloco de ações a um preço determinado segundo condições pré-estabelecidas. Nessas hipóteses, diante de uma possível alteração significativa na composição acionária da companhia, é conferida aos demais acionistas a oportunidade de alienarem suas ações a um mesmo preço.
De acordo com a mensagem de veto, a alteração reduziria o direito dos acionistas minoritários, “o que não seria benéfico para o bom funcionamento dessas operações e para o equilíbrio entre ofertantes e acionistas”.
Próximos passos
Muito embora o saldo do Marco Legal tenha sido positivo, conferindo-se maior segurança jurídica aos negócios societários envolvendo as startups e criando-se incentivos aos investimentos nessas empresas, ainda há muitas questões concernentes a esse meio que certamente serão objeto de discussões futuras. Cita-se, a título de exemplo, a regulação das opções de compra (ou stock options), isto é, a opção de adquirir ações ou quotas sociais no futuro a um preço determinado no presente, frequentemente utilizada como forma de remuneração complementar no âmbito das startups. A parte que tratava desse tema foi retirado do Marco Legal ainda durante a tramitação no Congresso Nacional. A esse respeito, entende-se que o ideal para o ecossistema das startups é que se reconheça, em lei, as stock options não como verbas de natureza remuneratória, mas sim de natureza mercantil. Isso faria com que houvesse uma redução da tributação no momento do exercício da opção, não incidindo os tributos típicos dos encargos salariais. Outro tema não contemplado pelo Marco Legal das startups foi a possibilidade de startups constituídas sob a forma de Sociedades Anônimas recolherem tributos pela sistemática do Simples Nacional. Os capítulos finais da aprovação e sanção do Marco Legal das Startups nos dão a certeza de que a inovação seguirá caminhando a passos largos, cabendo à atividade reguladora do Estado ser mais célere, sob pena de eternamente correr atrás de regular o que há muito já é praticado no mercado.
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