A Proposta de Emenda à Constituição n.º 32/2020, mais conhecida como Reforma Administrativa, gerou preocupações para os servidores públicos em função da supressão de algumas prerrogativas. Dentre as possíveis mudanças, destaca-se a extinção do Regime Jurídico Único e a mitigação da estabilidade dos cargos públicos.
A partir da dissolução do Regime Jurídico Único, a PEC n.º 32/2020 pretende instaurar novos estratos no serviço público, com previsão de cargos com vínculos de experiência, por prazo determinado, por prazo indeterminado, cargos de assessoramento e liderança e os cargos típicos de Estado.
Valendo-se da estratificação dos servidores públicos, a Reforma Administrativa apresenta texto que reserva estabilidade aos servidores das carreiras típicas de Estado. Assim, os demais poderiam ser demitidos sem que fosse necessária a instauração de processo administrativo disciplinar, aproximando a dinâmica de dispensa do serviço público à da iniciativa privada.
A justificativa seria dotar a Administração Pública de mecanismos de gestão mais modernos e flexíveis, conferindo maior dinamicidade e eficiência estatais. Essa modernização compreenderia também o estabelecimento de uma política de gestão de pessoas ágil e adaptável, bem como teria a pretensão de viabilizar o relacionamento do Estado com a iniciativa privada, contribuindo com o atendimento da demanda por serviços públicos.
Contudo, surge o seguinte questionamento: A reserva da estabilidade apenas aos cargos típicos de Estado seria a medida mais adequada para a otimização da prestação do serviço público?
Atualmente, a estabilidade é garantida aos servidores após três anos de efetivo exercício (art. 41 da Constituição Federal). No entanto, ao contrário do que se poderia imaginar, essa estabilidade não é absoluta. Nesse sentido, destaca-se que há hipóteses de demissão dos servidores no próprio art. 41, sendo elas: (i) em virtude de sentença judicial transitada em julgado; (ii) mediante processo administrativo disciplinar; ou (iii) mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho. É de se notar que as hipóteses elencadas devem permitir a ampla defesa do servidor processado, seja no âmbito judicial, seja na esfera administrativa.
A demissão, portanto, não está fora de questão quando se visa à proteção do interesse público e coletivo. Entretanto, para isso, é necessária a constatação de atos prejudiciais à consecução dos interesses da comunidade.
Percebe-se que a estabilidade é uma prerrogativa inerente aos servidores públicos, a qual impede que sejam demitidos apenas pela vontade dos dirigentes políticos. Todavia, o vínculo de experiência é uma das previsões que evidenciam a superveniência de cenário com maior instabilidade no serviço público. Isso, porque, de acordo com a PEC n.º 32/2020, dentre os servidores submetidos ao vínculo de experiência, somente os que obtiverem a melhor classificação ao final do período estipulado seriam efetivamente incorporados aos quadros da Administração Pública.
Os servidores com vínculo de prazo determinado, por sua vez, seriam submetidos a um duplo critério: a temporalidade limitada de sua relação de trabalho e o horizonte de demissão mesmo prestando serviços para a Administração Pública.
Ademais, a previsão de um vínculo temporário pode ser contraposta ao princípio da continuidade da relação de emprego, que tem a finalidade de proteger o trabalhador —no caso, o servidor — de um contrato precário, provisório ou de curta duração.
Para além disso, a mitigação da estabilidade para alguns servidores públicos, aliada à instituição de contratos temporários, pode ser percebida como elemento negativo na repercussão do investimento educacional e profissional que a Administração Pública empreende em prol de seus trabalhadores.
Por fim, a restrição da estabilidade apenas para os servidores de cargos típicos de Estado traz reflexões acerca da terceirização de serviços essenciais prestados à Administração Pública, o que pode influenciar na precarização do trabalho e na rotatividade em cargos.
Conclui-se que o panorama apresentado revela que a pretensão da Reforma Administrativa de extinguir a estabilidade de parte dos servidores públicos pode imprimir características intrínsecas ao setor privado à estrutura estatal. Todavia, a medida pode comprometer a prestação de serviços, em inobservância aos interesses público e coletivo.
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