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Foto do escritorAline Benção, Jeórginys Rocha e Kalissa Santos

A reforma do Código Civil de 2002: impactos e adequações para Associações


A reforma do Código Civil de 2002: impactos e adequações para Associações

Ao longo dos anos, as civilizações têm passado por transformações que influenciam os costumes, as sociedades e as inovações tecnológicas, o que fomenta a necessidade de leis que acompanhem essas mudanças e garantam os direitos dos cidadãos. Em um Estado Democrático de Direito, paradigma constitucional adotado no Brasil, a Constituição Federal de 1988 desempenha papel crucial na garantia de direitos coletivos e individuais, além de ser a base de criação para novas normas.


Nesse contexto, o Código Civil regula a vida das pessoas em diversas áreas, desde antes do nascimento até depois da morte, e aborda temas como sucessão, herança, contratos, casamentos e empresas.


Pensando nessas relações e nas mudanças advindas das novas percepções sociais, em abril de 2024, o Senado recebeu o Relatório Final dos trabalhos da Comissão de Juristas responsável pela revisão e atualização do Código Civil de 2002 (Lei n° 10.406/2002). Atualmente, esse anteprojeto aguarda a sua apresentação como Projeto de Lei (PL) pelo Presidente do Senado, após ter sido aprovado pela Comissão de Juristas.


Além de proporcionar maior clareza e segurança jurídica nas relações que regem os indivíduos, a reforma visa alinhar o Código Civil aos princípios e diretrizes estabelecidos pela Constituição Federal de 1988.


O texto da reforma traz propostas para modernizar a legislação em diversas áreas. A título de exemplo, no direito digital, busca aumentar a segurança para os usuários das redes e responsabilizar civilmente as plataformas digitais pelo vazamento de dados e por eventuais falhas na verificação de idade dos usuários. Além disso, o texto reforça a liberdade contratual das empresas e amplia o conceito de família, entre outras inovações propostas.


Dentre essas alterações, destacam-se as mudanças propostas em relação aos direitos das associações, que incluem a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica, a substituição do termo "econômicos" por "lucrativos", além da obrigatoriedade de as entidades estabelecerem estatutariamente o prazo de mandatos.


Nesse sentido, o artigo 50 da redação proposta, inclui a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica[1] das associações, ficando essa restrita aos associados com poder de direção ou capazes de influenciar na tomada de decisões da entidade. Tal modificação garante que somente esses associados sejam responsabilizados pelas obrigações da associação.


Além disso, de forma alinhada com o Código de Processo Civil, também é previsto o cabimento da desconsideração da personalidade jurídica inversa[2], de modo que os bens a serem eventualmente constritos deverão ser de “propriedade” do atingido pela desconsideração.


Em que pese a previsão legal ter sido sugerida somente com a reforma, a jurisprudência, há algum tempo, já admite a desconsideração da personalidade jurídica nas demandas envolvendo as associações civis. Nesse sentido, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o REsp 1812929/DF, entendeu que a falta de previsão legal específica para o tema no âmbito das associações não é empecilho para a aplicação do instituto.


Segundo a decisão proferida em 2023 pelo Tribunal Cidadão, as associações são marcadas por um negócio jurídico firmado entre elas e seus associados, mas sem nenhum vínculo obrigacional, conforme comando do parágrafo único da redação atual do art. 53 do Código Civil, de modo que o elemento pessoal não lhe é inerente. Com isso, a desconsideração da personalidade jurídica nas associações deve ser limitada apenas aos associados que estão em posições de poder na condução da entidade, sob pena de se estender a responsabilidade patrimonial a um enorme número de associados que pouco influenciaram na prática dos atos associativos considerados ilícitos.


Destarte, no Capítulo “Das associações” do Código Civil, o art. 53 conceitua as associações como uma união de pessoas que se organizam para fins não econômicos. Em contrapartida, a revisão e a atualização propõem a alteração do termo “não econômicos” para “não lucrativos”, a fim de trazer maior clareza e tecnicidade ao texto.


Essa alteração revela uma preocupação em distinguir de forma clara as finalidades das associações e empresas, evitando confusões de interpretação. Essa distinção é importante para fins tributários, já que as associações sem fins lucrativos podem ter o benefício da imunidade ou isenção tributária em relação às suas atividades econômicas.


O art. 54, inciso V, prevê a obrigatoriedade do estabelecimento estatutário acerca do prazo de mandatos, o que tem o condão de promover a renovação e o aprimoramento da governança da associação, impedir que dirigentes permaneçam no poder indeterminadamente e assegurar a rotatividade da liderança. Os mandatos com prazos definidos previnem o autoritarismo e facilitam o planejamento, o que contribui para uma governança eficiente e estável.


Além disso, no art. 55, para promover a equidade e a garantia dos direitos nas relações internas, foram realizados ajustes textuais e inserido um dispositivo que garante a igualdade entre todos os associados de uma mesma categoria. Na redação vigente, é possível instituir categorias com vantagens especiais, mas não há vedação ao tratamento desigual entre os associados da mesma categoria. A ideia do ajuste não é vedar a criação de categorias diferenciadas, como já é permitido, mas garantir a isonomia entre os associados de uma mesma categoria.


Com essas mudanças previstas no anteprojeto, as associações devem se adequar ao que está proposto no Código Civil e adaptar os seus estatutos às mudanças eventualmente aprovadas.


Desse modo, o papel do advogado é essencial para a criação e funcionamento das associações, desde a criação e proteção dos direitos dos associados até uma simples celebração de contrato.


Abaixo, segue um quadro comparativo entre o texto atual e as sugestões propostas pela reforma:

Redação Atual do Código Civil de 2002

Redação Sugerida pela Comissão

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.

§ 1º Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza.

§ 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por:

 I - cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa; II - transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e III - outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial. § 3º O disposto no caput e nos §§ 1º e 2º deste artigo também se aplica à extensão das obrigações de sócios ou de administradores à pessoa jurídica.

 § 4º A mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de que trata o caput deste artigo não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica.

§ 5º Não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens de propriedade de administradores, sócios ou associados da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.

§ 1º O disposto neste artigo se aplica a todas as pessoas jurídicas de direito privado, nacionais ou estrangeiras, com atividade civil ou empresária, mesmo que prestadoras de serviço público.

§ 2º Na hipótese de desconsideração da personalidade jurídica de associações, a responsabilidade patrimonial será limitada aos associados com poder de direção ou com poder capaz de influenciar a tomada da decisão que configurou o abuso da personalidade jurídica.

§ 3º É cabível a desconsideração da personalidade jurídica inversa, para alcançar bens de sócio, administrador ou associado que se valeram da pessoa jurídica para ocultar ou desviar bens pessoais, com prejuízo a terceiros.

§ 4º Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores ou para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza, inclusive a de abuso de direito.

§ 5º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação dos patrimônios, caracterizada:

I - pela prática pelos sócios ou administradores de atos reservados à sociedade, ou pela prática de atos reservados aos sócios ou administradores pela sociedade;

Art. 53. Constituem-se as associações pela união de pessoas que se organizem para fins não econômicos.

Parágrafo único. Não há, entre os associados, direitos e obrigações recíprocos

Art. 53. Constituem-se as associações pela união de pessoas que se organizem para fins não lucrativos. 

Parágrafo único. ..................................................................

Art. 54. Sob pena de nulidade, o estatuto das associações conterá:

I - a denominação, os fins e a sede da associação;

II - os requisitos para a admissão, demissão e exclusão dos associados;

III - os direitos e deveres dos associados;

IV - as fontes de recursos para sua manutenção;

V – o modo de constituição e de funcionamento dos órgãos deliberativos;

VI - as condições para a alteração das disposições estatutárias e para a dissolução.

VII – a forma de gestão administrativa e de aprovação das respectivas

Art.54. ..................................................................................: ..................................................................................

V – o modo de constituição e de funcionamento dos órgãos deliberativos e os termos inicial e final dos mandatos de seus dirigentes; ..................................................................................

Art. 55. Os associados devem ter iguais direitos, mas o estatuto poderá instituir categorias com vantagens especiais

Art. 55. Aos associados de uma mesma categoria deverão ser assegurados pelo estatuto direitos iguais, sendo vedada a atribuição de vantagens especiais a um associado individualmente.

Parágrafo único. Admite-se a atribuição de pesos diferentes para a valoração de voto de associados de categorias distintas, ressalvado o disposto no § 1º do art. 59 deste Código



Como visto, o anteprojeto de reforma do Código Civil possui relevantes modificações para os direitos e interesses das associações. O anteprojeto passará, ainda, por diversas etapas do processo legislativo, porquanto tramitará nas duas casas do Congresso Nacional. Eventuais interessados podem contar com a ajuda de profissionais da área de Relações Governamentais para acompanhar o deslinde da tramitação.


Havendo a aprovação das alterações propostas, as associações precisarão se atentar às mudanças e, eventualmente, adaptar, com a ajuda de profissionais capacitados de Direito Associativo, os seus atos estatutários para se manterem em conformidade com a nova lei.

 

Ficou alguma dúvida ou precisa do serviço de um especialista? Entre em contato conosco.


[1] Desconsideração da personalidade jurídica: instituto jurídico que permite o afastamento da integral separação patrimonial entre a pessoa jurídica e a pessoa física, para atingir o patrimônio pessoal de sócios ou associados, quando preenchidos os requisitos legais autorizadores e incidentes as hipóteses previstas em lei, de confusão patrimonial ou desvio de finalidade.

Desconsideração da personalidade jurídica inversa: A desconsideração inversa ou invertida torna possível responsabilizar a empresa pelas dívidas contraídas por seus sócios e tem como requisito o abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou a confusão patrimonial.

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