Em uma sociedade empresária, há diversos eventos que podem culminar na saída de um sócio e, como regra geral, a saída de um sócio enseja a sua remuneração pelo valor das quotas, seja por meio da alienação dessas aos sócios, à sociedade, a terceiros, quando permitido, ou pela sua dissolução. A dissolução de quotas significa a liquidação das mesmas, ou seja, transformação da participação acionária em um valor pecuniário a ser pago ao seu titular na ocasião da saída.
Por tratar-se da liquidação de apenas uma parte da empresa, a resolução em relação a um sócio é chamada de dissolução parcial. A dissolução parcial pode ocorrer em diversas hipóteses, como na ocasião da morte de um sócio, no seu divórcio, no falecimento do cônjuge de sócio, na retirada e exclusão de sócios e na penhora com arrematação das quotas de sócios.
Gladston Mamede¹ comenta sobre o impacto da possibilidade de saída de um sócio nas relações societárias, gerando uma verdadeira gangorra de direitos e interesses.
“Pelo ângulo do sócio, complementam-se dois direitos e interesses opostos, juridicamente protegidos: (1) o direito de manter-se na sociedade e (2) o direito de retirar-se da sociedade. Pelo ângulo da coletividade dos demais sócios, afirmam-se (3) o direito à manutenção do vínculo societário, em conformidade com o que foi contratado, (4) o direito à convivência harmônica a bem da realização do objeto e fins societários (affectio societatis). Tem-se um sistema potencialmente instável, a exigir do jurista – mormente diante do caso concreto – atenção para corrigir situações iníquas e injustas.”
Vejamos por que isso ocorre na prática. A resolução da empresa em relação a um sócio é regulada pelo artigo 1.031 do Código Civil² nas sociedades simples e limitadas. Neste artigo, trataremos especialmente da dissolução parcial de sociedades limitadas, mas muitas das considerações aplicam-se também ao procedimento análogo nas sociedades anônimas. A regra estabelecida é que, no caso de ocorrência de um dos eventos que ensejam a dissolução parcial, o valor de sua quota deve ser liquidado com base na situação patrimonial da sociedade à data da resolução, e deverá ser pago em dinheiro no prazo de 90 dias.
Da regra geral, advêm dois problemas principais: (i) não há definição, na Lei, de uma metodologia para a apuração da situação patrimonial da sociedade e (ii) o prazo legal de 90 (noventa) dias para pagamento em dinheiro pode ser extremamente exíguo para a maioria das empresas.
Esses problemas se materializam e ganham relevância em proporcionalidade ao tamanho da empresa tratada. Vejamos que a falta de previsão sobre a metodologia de avaliação do valor de uma quota social não possui tanta relevância para pequenas e médias empresas, gerando pouca diferenciação no resultado final. No entanto, quando tratamos de empresas de grande porte, a diferença do método de avaliação poderia gerar diferenças milionárias em benefício ao sócio em retirada ou à empresa.
Além disso, as diferentes atividades empresariais exigem métodos de avaliações diferentes. Uma empresa que tem como negócio principal a realização de concessões públicas tem fatores peculiares diversos de empresas de produção e comercialização de mercadorias.
A título de exemplificação, temos os seguintes métodos de avaliação mais comuns: Avaliação Patrimonial Contábil, Avaliação por Fluxo de Caixa Descontado, Avaliação por Múltiplos, Valor Econômico Adicionado. Na prática, esses métodos podem se demonstrar complementares para atribuição de um valor líquido a uma empresa.
Assim como nas disposições sobre o método de apuração, a forma de pagamento dos haveres prevista legalmente se mostra desvantajosa para as empresas. Em muitos casos, o pagamento da liquidação de quotas de um sócio em dinheiro no prazo de 90 (noventa) dias é completamente inviável. Isso, porque as empresas podem ter patrimônio majoritariamente imobilizado, o que poderia levar à necessidade de alienação de bens com preços abaixo de seus valores reais para cumprimento do prazo de noventa dias. Ainda, a depender da porcentagem acionária detida pelo sócio retirante, o pagamento dos haveres pode aniquilar a operacionalização de uma empresa.
Imaginemos o caso de uma empresa, com três sócios, que atua no ramo de logística e cujo patrimônio é composto por caminhões, imóveis, valores líquidos, contratos futuros e a marca da empresa. Caso um dos sócios possua interesse em se retirar, ou seja, 33,33% da empresa, de que forma suas quotas serão liquidadas? O valor contido em caixa é suficiente para o pagamento dos haveres? Será necessária a alienação de bens? Quais bens deverão ser alienados? A empresa possui viabilidade financeira após a liquidação?
Nesse contexto, é fundamental que os sócios prevejam regras de apuração e pagamento de haveres no Contrato Social ou Estatuto Social da empresa. Essa possibilidade está prevista no Código Civil no próprio artigo 1.031 já citado, o qual ressalva que a regra geral de apuração de haveres e pagamento em 90 dias não será aplicada se houver disposição diversa e específica no contrato social da empresa.
Assim, os sócios podem e, na maioria das vezes, devem estabelecer previamente qual será o método utilizado para apuração de haveres e como será a sua forma e prazo de pagamento, gerando maior segurança jurídica e financeira para a empresa.
Em relação ao método de apuração do valor das quotas, pode-se definir o método a ser utilizado especificamente; a necessidade de contratação de um ou mais profissionais especializados para realização da tarefa; e o prazo para finalização da apuração. No que diz respeito à forma de pagamento, é possível estabelecer um prazo maior que o de 90 (noventa) dias, bem como o parcelamento dos haveres em parcelas mensais. No caso de parcelamento, deve-se prever o índice de correção monetária que será aplicável às parcelas.
Em muitos casos, pode ser vantajoso para as partes a previsão de cláusula de arbitragem. Se pensarmos em empresas de setores com especificidades técnicas e mercadológicas, é de extrema relevância que os eventos de dissolução parcial sejam conduzidos por profissionais com a expertise necessária sobre o ramo do negócio, evitando-se distorções e imprecisões na apuração dos haveres.
Ainda, merecem especial atenção as adequações contábeis para acompanhar a narrativa dos eventos societários. Uma empresa com valor contábil desatualizado que precisa pagar haveres pelo valor de mercado das quotas precisará atualizar seu capital social para justificar o pagamento dos haveres do ponto de vista contábil.
Ressalte-se que ao exercer sua autonomia privada, é imprescindível a observância dos limites do exercício do direito. Os tribunais pátrios têm analisado, a cada caso concreto, a legalidade de cláusulas que dispõem sobre a forma de apuração e pagamento de haveres.
É possível identificar decisões que consideram cláusulas abusivas por estabelecerem prazo muito longo para o pagamento ou que não preveem a correção monetária das parcelas, entendendo pela ocorrência de enriquecimento sem causa dos sócios remanescentes. No julgamento do Recurso Especial 302.366/SP³, por exemplo, entendeu-se pela legalidade do parcelamento do pagamento dos haveres, desde que haja a devida correção monetária:
“É que a dissolução parcial, é bastante elementar, causa trauma interno da empresa, a sua descapitalização, de modo que o pagamento parcelado atenua o impacto, desde que, é claro, haja a correção das prestações, para não causar enriquecimento injustificado do sócio remanescente.”
Percebe-se, então, que a dissolução parcial deve ser ponto de atenção para os empresários e seus consultores jurídicos. A saída de sócios pode ser eclodida de forma inesperada por questões sucessórias, pela quebra do vínculo societário, por rompimentos maritais, dentre outros. Por isso, é importante o cuidado com uma regulação prévia desse assunto de modo a conferir segurança para os sócios e a sociedade.
[1]MAMEDE, Gladston. Direito Empresarial Brasileiro - Direito Societário Sociedades Simples e Empresárias. São Paulo: Grupo GEN, 2020.
[2]Art. 1.031. Nos casos em que a sociedade se resolver em relação a um sócio, o valor da sua quota, considerada pelo montante efetivamente realizado, liquidar-se-á, salvo disposição contratual em contrário, com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado.
§ 1º O capital social sofrerá a correspondente redução, salvo se os demais sócios suprirem o valor da quota.
§ 2º A quota liquidada será paga em dinheiro, no prazo de noventa dias, a partir da liquidação, salvo acordo, ou estipulação contratual em contrário.
[3] STJ - REsp 302.366/SP, Rel. Ministro Aldir Passarinho Junior, Quarta Turma, julgado em 05/06/2007, DJ 06/08/2007, p. 492 (Íntegra do Acórdão).
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