Toda empresa necessita de recursos para a execução de sua atividade-fim. Por vezes, o aporte inicial feito pelo(s) sócio(s) fundador(es) do negócio não se prova suficiente no tempo, sendo necessária a captação de mais recursos para manutenção do funcionamento da empresa, ou, ainda, para que o negócio possa ampliar sua atuação no mercado.
Nesta oportunidade, trataremos especialmente das Sociedades Limitadas, que, apesar de serem o tipo societário mais utilizado no Brasil, empresas inseridas nessa sistemática por vezes desconhecem as diversas técnicas jurídicas e negociais que podem ser utilizadas para captação de recursos e acabam por recorrerem apenas aos meios mais tradicionais: o aumento de capital realizado pelos próprios sócios ou a contratação de crédito bancário.
No entanto, existem diversas outras ferramentas das quais as empresas podem se valer com vistas à captação de investimentos para incrementar sua atividade comercial, as quais serão abordadas de maneira simplificada a seguir, sem a pretensão de exaurir o tema, que é vasto e ganha novos contornos a cada dia na conjuntura brasileira.
Contrato de mútuo conversível em participação
O mútuo conversível pode ser entendido como o empréstimo que um investidor concede a uma sociedade, podendo, futuramente, converter a dívida criada em participação societária na empresa.
Uma das principais vantagens desse ajuste contratual é a diminuição de riscos para o investidor, que, a partir do empréstimo, será apenas um credor da sociedade (e não um dos sócios desta), preservando o restante do seu patrimônio caso o empreendimento venha a fracassar.
Para conferir segurança a esse tipo de contrato, as partes devem ajustar disposições tais como o valor do empréstimo; o prazo ao final do qual o investidor poderá converter seu investimento em participação; as condições de retorno da quantia emprestada, aplicadas taxas de juros e correção monetária, caso ao final do período estipulado o investidor opte por não converter a dívida em participação societária, dentre outras.
O contrato de mútuo conversível é um dos instrumentos utilizados pelos chamados “investidores-anjo”, isto é, a pessoa física ou jurídica que investe com seu capital em empresas com grande potencial de crescimento, como as startups, por exemplo.
Contrato de participação
Há ainda o contrato de participação, também utilizado por investidores-anjo e regulado pela Lei Complementar n.º 155/2016, justamente por isso, diferenciando-se do contrato de mútuo conversível.
Com efeito, a legislação impõe diversos limites ao contrato de participação, tais como prazo máximo de 5 (cinco) anos para remunerar o investidor pelos aportes realizados; condições específicas para o resgate dos aportes, que só poderá ocorrer, no mínimo, 2 (dois) anos após a celebração do contrato; limitação da remuneração do investidor na proporção 50% (cinquenta por cento) dos lucros obtidos pela empresa, dentre outros.
As regras impostas, de um lado, limitam a autonomia das partes na realização do negócio, mas, de outro, conferem maior segurança ao pacto. Caberá, portanto, como sempre, uma análise detida da situação para se aferir qual o instrumento mais adequado às expectativas de ambas as partes.
Venda de cotas em tesouraria
Outra forma de capitalização a partir da venda de participação no negócio se faz por meio da venda de cotas em tesouraria, que são cotas pertencentes à própria sociedade — e não aos seus sócios. Desse modo, a cota é vendida diretamente pela sociedade para o investidor interessado em ingressar no negócio.
Trata-se de procedimento mais eficaz e econômico do que a venda de cotas de titularidade do sócio ao investidor entrante no negócio. Isso porque o sócio vendedor das cotas fica sujeito ao recolhimento de imposto de renda sobre o ganho de capital, caso as cotas sejam vendidas a preço superior àquele de aquisição.
Por outro lado, se a sociedade vende as cotas registradas em tesouraria para terceiro, está isenta de tributação, nos termos do Decreto n.º 9.580/2018, que regulamenta o Imposto de Renda.
Destaca-se que o depósito de cotas em tesouraria pode constar no contrato social desde a constituição da empresa, ou, em momento futuro, a partir de alteração do contrato social, transferindo-se as cotas de titularidades do(s) sócio(s) à tesouraria.
Venda de cotas preferenciais
Assim como as cotas em tesouraria, as cotas preferenciais também são conceito importado do regime das Sociedades Anônimas — aquelas cujo capital social se encontra dividido em ações e podem operar ou não no mercado de capitais (companhia aberta ou fechada, respectivamente).
Não obstante, trata-se de mecanismo perfeitamente transponível ao regime das Sociedades Limitadas, desde que a prática encontre previsão no contrato social da empresa.
Desse modo, é possível que a sociedade limitada estipule — e venda a terceiros — cotas que não conferem o direito de voto nas deliberações sociais da empresa. Em contrapartida, são oferecidas vantagens econômicas ao cotista titular de tais cotas, como, por exemplo, prioridade na distribuição de lucros.
Nesse sentido, cabe destacar que a recente Instrução Normativa n.º 81 do DREI facilitou a implementação desse mecanismo, ao dispor expressamente que, no âmbito das sociedades limitadas, “são admitidas quotas de classes distintas, nas proporções e condições definidas no contrato social, que atribuam a seus titulares direitos econômicos e políticos diversos”.
Por fim, cabe destacar que a implementação de tais cotas distintas fica sujeita aos limites impostos pela Lei das Sociedades Anônimas (Lei n.º 6.404/1976). A título de exemplo, atualmente a lei não permite que a quantidade de ações preferenciais ultrapasse 50% (cinquenta por cento) do valor total de ações emitidas.
Emissão de debêntures por sociedade limitada
As debêntures são títulos de dívida de médio ou longo prazo emitidos por Sociedades Anônimas visando ao aumento de capital ou à reestruturação de dívidas.
Em que pese, no momento, tratar-se de mecanismo típico das sociedades por ações, tramita no Senado Federal o Projeto de Lei n.º 3324 de 2020, que propõe justamente que a possibilidade de emissão desses títulos seja estendida às sociedades limitadas, aplicando-se em grande parte o regime da Lei das Sociedades Anônimas.
A emissão de debêntures, para o empresário, pode ser mais vantajosa do que a contratação de crédito junto a um banco, pois as condições do negócio podem ser mais benéficas à sociedade, enquanto que para o investidor o negócio pode ser igualmente mais vantajoso, proporcionando mais rentabilidade do que os títulos geralmente oferecidos pelos bancos.
Ainda, a critério do emissor, a debênture pode ser conversível em ações da companhia ou não. O projeto de lei citado prevê a mesma possibilidade às sociedades limitadas, no que concerne às cotas sociais da empresa.
Contudo, é necessário observar que a prática também impõe encargos administrativos às empresas. Isso porque o próprio projeto de lei supracitado prevê diversas novas obrigações que deverão ser observadas pelas sociedades limitadas optantes pela emissão de debêntures, como, por exemplo, o registro de tais emissões em livros específicos.
Como visto, mecanismos sofisticados de captação de recursos não são uma exclusividade das sociedades por ações, estando diversas técnicas à disposição, também, das sociedades limitadas.
Portanto, conclui-se que, em tempos de avanços tecnológicos nas mais diversas áreas, também avançam as técnicas empregadas nas relações jurídicas e negociais. Nesse contexto, é imprescindível que o empresário acompanhe essa marcha de inovação e obtenha o melhor proveito dos mecanismos que se encontram à sua disposição.