No dia 05/02/2020, o Supremo Tribunal Federal, por oito votos a um, apreciou o Tema de repercussão geral n.º 22, fixando-se a tese no sentido de que “sem previsão constitucionalmente adequada e instituída por lei, não é legítima cláusula de edital de concurso público que restrinja participação de candidato pelo simples fato de responder a inquérito ou ação penal”.
A decisão foi proferida em sede do Recurso Extraordinário n.º 560.900, o qual remete, na origem, à mandado de segurança impetrado por soldado contra ato da Polícia Militar do Distrito Federal que o excluiu do processo seletivo para o Curso de Formação de Cabos no Quadro de Praças Policiais e Militares Combatentes. Isso uma vez que o impetrante respondia a processo criminal pela suposta prática do delito previsto no art. 342, do Código Penal (falso testemunho).
O ato de eliminação pautou-se no item 3.5, do Edital n.º 33/2005 de convocação, que veda a participação de candidato “denunciado por crime de natureza dolosa”.
Em seu voto, o Ministro Relator, Luís Roberto Barroso, iniciou suas razões esclarecendo que, a despeito de o caso concreto tratar-se, especificamente, de progressão funcional, a repercussão geral não distinguiu essa situação do ingresso no serviço público, uma vez que ambas devem ser tratadas com base nos mesmos princípios. Aqui, a discussão ganha ainda maior relevância, uma vez que o entendimento aplicar-se-á no âmbito de todo concurso público.
No decorrer do voto, traz-se à baila os princípios que protagonizam a discussão: de um lado, o princípio da presunção de inocência, da liberdade profissional, da ampla acessibilidade aos cargos públicos e, de outro, o princípio da moralidade administrativa, do qual decorre a atuação vinculada ao interesse público e ao princípio da boa-fé.
Uma vez definidos os princípios atinentes ao caso, a controvérsia que deveria ser enfrentada, segundo o Ministro, é se o candidato a certame ou a concurso de promoção que responde a processo penal pode ter o acesso ao cargo público restringido, em razão de suposta ausência de idoneidade moral.
Assim, em virtude da ausência de demais normativos, o Ministro Relator aplica, por analogia, os critérios fixados pela Lei Complementar n.º 135/2010 — amplamente conhecida como Lei da Ficha Limpa. Com efeito, o art. 1º dispõe sobre as hipóteses de inexigibilidade para proteger, dentre outros fins, a moralidade para o exercício de mandato, dentre as quais estão aqueles que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado. Nesse passo, de acordo com o Relator, excluir ou impedir a participação de candidato em virtude de mera denúncia ou simples presença de ação penal revela-se desproporcional.
Nesse ponto, cumpre salientar que a posição do Ministro Relator distancia-se do entendimento proferido pela Suprema Corte, em novembro de 2019, no sentido de que não é possível a prisão em segunda instância, em virtude do art. 5º, inciso LVII, da Constituição Federal. Isso uma vez que o dispositivo constitucional determina que ninguém será considerado culpado até o trânsito de sentença penal condenatória — e não a partir de decisão colegiada.
Para além do requisito referente à fase processual, o Ministro Relator entende que é necessário que haja pertinência entre a acusação e as atribuições do cargo público. A exemplo, menciona a condenação de candidato por órgão colegiado em razão do crime previsto no art. 306, do Código de Trânsito Brasileiro — conduzir veículo sob efeito de álcool ou outra substância psicoativa — que seria incompatível com o cargo de agente de trânsito.
Nas hipóteses em que se verifique a incompatibilidade, a autoridade administrativa que decidir por excluir ou impedir a participação de candidato deverá fazê-lo por meio de decisão fundamentada.
Nessa toada, a autoridade administrativa possuiria maior discricionariedade no caso concreto, uma vez que não é possível que o legislador disponha sobre todos os delitos e carreiras públicas e quais são incompatíveis com uns e outros.
Por fim, o Ministro afirma que certos cargos públicos pressupõem um controle de idoneidade moral mais estrito em razão das atribuições envolvidas, como, por exemplo, as carreiras da Magistratura, das funções essenciais à justiça e da segurança pública. Contudo, até que advenha normativo legal específico, o que deve valer é a condenação definitiva ou por órgão colegiado.
Em conclusão, a decisão do STF acaba por proteger o princípio da presunção de inocência em face aos demais, o que pode refletir no aumento de decisões favoráveis pelos Magistrados em favor dos candidatos que enfrentem controvérsia semelhante. No entanto, ao legitimar a possibilidade de exclusão de candidato em razão de simples condenação por órgão colegiado, sem aguardar o trânsito e julgado, restringe indevidamente o direito fundamental a presunção de inocência.