A gravidade do atual direcionamento forçado de competências jurisdicionais sem a observância das especificidades da Lei de Improbidade Administrativa, ao arrepio do princípio do juiz natural.
Nesta série de artigos sobre Improbidade Administrativa, tem-se tratado bastante da atual proliferação de ações, sobretudo como decorrência de grandes Operações, cujo caráter midiático é consequência natural.
Nesse contexto, um ponto de relevante análise é a atual distribuição de diferentes ações, pouco relacionadas entre si, para um mesmo Juízo, o que cria um cenário de direcionamento e predeterminação do órgão julgador.
Ocorre, todavia, que, comparada à sistemática processual geral, a Lei de Improbidade Administrativa exige uma relação mais próxima e direta para que se possa aplicar a prevenção e reunião de ações. Esta é uma argumentação reiteradamente levantada pelas defesas dos acusados em ações dessa natureza e que, infelizmente, costuma ser pouco reconhecida nos tribunais, configurando-se a quebra do princípio do juiz natural e, consequentemente, o cerceamento de defesa dos acusados.
Exemplo disso pode ser visto na Operação Caixa de Pandora, cuja quase totalidade das ações de Improbidade Administrativa, no Distrito Federal, tramita em um único Juízo, independentemente de os feitos tratarem de figuras e contratos administrativos diversos. Não obstante a relação entre as ações esteja tão somente na origem do conteúdo probatório — uma única delação premiada —, não se tem admitido sua separação.
O que aqui se expõe foi objeto de recente julgado do Superior Tribunal de Justiça (Recurso Especial n.º 1.540.354/PR) no âmbito da Operação Lava Jato, quando se asseverou expressamente, ao encontro do que insistem as defesas, que os critérios configuradores da conexão entre ações de Improbidade Administrativa são mais rígidos que os previstos na regra geral do art. 103 do CPC/731 (redação atualizada para o art. 55 do CPC/152).
O caso chegou à Corte Superior após a interposição de Recurso Especial pelo Ministério Público Federal em face de acórdão proferido pela 2ª Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em sede de conflito negativo de competência instaurado entre os Juízos das 2ª e 3ª Varas Federais de Curitiba-PR, nos autos da ação de Improbidade Administrativa n.º 5006695-57.2015.4.04.7000.
Vale o destaque de alguns trechos do voto da ministra Relatora, condutora do acórdão unânime:
"Impende sublinhar que as ações de improbidade indicadas apresentam pedido no sentido da declaração da prática de ato de improbidade por PAULO ROBERTO COSTA, a condenação dos demais réus às sanções do art. 12 da LIA e ao pagamento solidário de danos morais coletivos, todos, porém, atinentes a cada empresa ou grupo de empresas e a fatos e peculiaridades específicos envolvendo cada contrato, licitação e outros elementos.
Embora as ações em questão derivem de um mesmo contexto e apresentem pontos comuns e petições iniciais de mesma configuração estrutural, depreende-se do acórdão recorrido que elas não possuem as mesmas causas de pedir ou os mesmos objetos, mas mera afinidade. Na verdade, guardam elas autonomia, uma vez que tratam de empresas, contratos, condutas e imputação de atos de improbidade distintos, no âmbito da PETROBRÁS, não se verificando o liame exigido pelo art. 17, § 5º, da LIA, a justificar a prevenção e reunião dos processos.
(...)
Anote-se, por derradeiro, que a alegação de que o Parquet poderia ter ajuizado uma única demanda, em litisconsórcio passivo facultativo multitudinário (art. 46, IV, do CPC/73), não tem o condão de justificar, após ter intentado ações autônomas e independentes, a reunião dos feitos pela via da prevenção, sem o atendimento dos requisitos do art. 17, § 5º, da LIA.
(...)
Isto posto, CONHEÇO do recurso especial e NEGO-LHE PROVIMENTO." (Destaques do original)
Em síntese, tenta-se distribuir diferentes ações a um mesmo Juízo em razão de suposta identidade de relação fático-jurídica originária, qual seja, um hipotético esquema de ilicitudes — no referido caso, "esquema previamente estabelecido entre as empresas cartelizadas e Paulo Roberto Costa, além de outros empregados da Petrobras".
Ocorre que, enquanto o CPC utiliza a expressão "quando lhes for comum o pedido ou a causa de pedir", a Lei de Improbidade Administrativa apresenta previsão própria no sentido de que a conexão ocorrerá com relação a ações "que possuam a mesma causa de pedir ou o mesmo objeto" (art. 17, § 5º, da Lei 8.429/923).
Como se percebe, ao estabelecer uma redação específica, o legislador optou por restringir as hipóteses de conexão nas ações de Improbidade Administrativa. Afasta-se, assim, a incidência da regra geral do Código de Processo Civil, de modo que as causas de pedir ou o objeto devem ser os mesmos para se caracterizar a conexão e, assim, tornar prevento um Juízo — não basta, como pontuou a ministra Relatora no exame do REsp 1.540.354/PR, uma "mera afinidade" entre as ações.
Assim, deve prevalecer a independência entre ações, evitando-se a "escolha" de um julgador para todos os processos que tenham uma ligação mínima, ao bel prazer do órgão acusatório. Deveras, sobretudo por se tratar de ação de Improbidade Administrativa, cada conduta deve ser pormenorizadamente analisada, independentemente de uma mesma origem probatória, sendo sempre necessária a demonstração particularizada da participação do acusado nos atos apontados como ímprobos: assim, há que se ter o cuidado de não tornar abusiva e arbitrária a busca por uma harmonia das decisões jurisdicionais.
Aliás, se numa mesma ação de Improbidade é possível absolver um dos réus e condenar outro, sem que isso implique contradição interna, não há que se temer a prolação de sentenças condenatórias e absolutórias em ações diversas, ajuizados contra diferentes réus, ainda que as demandas digam respeito a um contexto fático próximo, uma vez que os fatos narrados em cada processo contêm caracteres próprios e devem ser investigados individualmente.
Em outras palavras, a improcedência de uma ação de Improbidade Administrativa não conflita com a procedência de outra que se origine de uma mesma investigação policial ou de uma mesma base probatória, notadamente porque há sujeitos e particularidades fáticas absolutamente distintas para cada âmbito de conduta.
De tudo isso, o que se observa é que a extensão comumente feita pelo Ministério Público para atribuir a competência para julgar ações diversas a um mesmo Juízo ultrapassa o nexo lógico devido. Portanto, afronta-se o princípio do juiz natural, bem como a garantia ao devido processo legal, consagrados no art. 5º, incisos XXXVII, LIII e LIV da Constituição Federal, tendo em vista o direcionamento forçado da competência jurisdicional.
1 "Reputam-se conexas duas ou mais ações, quando lhes for comum o objeto ou a causa de pedir." 2 "Reputam-se conexas 2 (duas) ou mais ações quando lhes for comum o pedido ou a causa de pedir." 3 "A propositura da ação prevenirá a jurisdição do juízo para todas as ações posteriormente intentadas que possuam a mesma causa de pedir ou o mesmo objeto."